2010/10/19

De Verbis Maledictis II


Lar


Palavra que designava no paganismo romano algum dos deuses ou deusas que supostamente protegiam as casas das famílias, passou a ser empregada, por via metonímica, quase como sinônimo da própria casa.



O "quase" fica por conta de um aspecto perversamente sutil, no qual eu mesmo, de família cristã praticante, fui educado. Segundo a instrução que recebi quando pequeno, o "lar" é algo mais do que a casa construída: é o edifício juntamente com o "espírito" (não aprendi com essa palavra exatamente, mas com o sentido que ela tem) da família que nela mora, que nela "permanece" mesmo quando todos da casa estão fora.



Quanto a mim, abomino a idéia de qualquer coisa além dos meus pertences materiais que fique em minha casa durante minha ausência. Minha casa é dedicada ao SENHOR para que Ele atue dentro dela e a partir dela, mas por meio de mim, ou de minha esposa e minha filha.



Repudio a palavra. Incomoda-me que ela esteja tão presente na himnódia e poesia cristã, em geral, e protestante, em particular. Não lembro de jamais tê-la visto na Bíblia -- graças a Deus!



2009/04/14

De Pacto Orthographico

Provavelmente está evidente que não aprecio o acordo ortográfico para a língua portuguesa.

Estivesse em minhas mãos algo nesse sentido, procuraria aproximar a grafia do idioma de suas raízes etimológicas. O Português, no entanto, tem evoluído no sentido inverso: a escrita se aproxima cada vez mais da língua falada, com relativamente pouca importância à origem das palavras. Isso às vezes produz efeitos curiosos: palavras de classes gramaticais diferentes, mas com uma raiz etimológica comum, vão se tornando cada vez mais dissimilares. Penso que a principal causa para isso na pronúncia é a diferença nas sílabas tônicas, que favorecem a preservação de alguns fonemas em alguns casos, enquanto facilitam a elisão ou transformação em outros. Um caso que me vem à mente é o das palavras "exceto", "exceção" e "excepcional". Os portugueses tinham com elas uma vantagem: por não terem suprimido -- antes desse acordo, ao menos -- a letra "p" de "excepto" e "excepção", a relação etimológica e filológica entre as palavras fica mais evidente.

Por outro lado, os portugueses não tinham o sinal para distinguir o "u" mudo daquele que devia ser sonoro (como semivogal) em palavras contendo "que", "qui", "gue" e "gui". Nós brasileiros tínhamos o trema e, no caso da conjugação de alguns verbos (como "enxaguar"), também o acento agudo (3ª pessoa do singular do presente do subjuntivo, "enxagúe"). Essa vantagem na leitura à primeira vista de palavras desconhecidas nos foi amputada. Alguém que leia pela primeira vez "enxague" certamente saberá que ela é paroxítona, mas será paroxítona como "enxágue", "enxágüe" ou "enxagúe"? A nova regra deixa possibilidades abertas para as três opções; apenas conhecimento prévio indicará que a forma correta é justamente a mais incomum, se comparada ao resto do idioma.

O exemplo acima leva a uma crítica extrema: a reforma foi tímida ao lidar com certas idiossincrasias -- como escrever "que" para ter apenas "kê", o que não existia na língua mãe latina, que não tinha letras mudas -- e ainda introduziu idiossincrasias novas, como a tripla possibilidade de pronúncia de uma palavra desconhecida. Se o objetivo é privilegiar a fonética, uma reforma profunda faria a letra G soar sempre como soa em "gago", eliminando a vogal muda de "guerra", e usaria o J em seu lugar na palavra "gelo". O C deixaria de ter dois sons (como no Latim original, antes de ser "amaciado", por influência bárbara, no romance), soando sempre como soa em "caco", ou se usaria logo o K, já que foi reincorporado ao alfabeto. No lugar do C de "cenoura", entraria o S, cujo som jamais voltaria a se confundir com o do Z (a exemplo do que se tinha no Latim, em que S sempre sibilava, e o Z sempre zumbia). A letra X precisaria de um cuidado especial, pois o som do chiado não existia na língua mãe, mas o som de "ks", que era seu som primitivo, se consegue muito bem com "cs" ou "ks". De todo modo, não deveria mais haver as quatro opções de pronúncia, como havia antes do acordo e continua havendo agora.

As regras para o hifen mostram mais arbitrariedades incongruentes. Não há mais hifen em palavras em que ele sempre esteve, mas passou-se também a usá-lo onde nunca se usou antes. Para ficar mais esdrúxulo, em alguns casos se pode optar por usar ou não, e em outros ele é usado sempre com alguns prefixos, contrariando os preceitos de justaposição da regra principal. É um samba-do-crioulo-doido -- com ou sem hifen.

O acento agudo na terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo parar não deveria ter sido eliminado. Já vi casos engraçados em manchetes de jornal, que, por serem sucintas, nem sempre trazem o contexto para distinguir o verbo da preposição homógrafa. "Buraco para o trânsito da Zona Sul", por exemplo, pode significar duas coisas quase diametralmente opostas.

Essa reforma é, em quase todos os pontos, uma estupidez, gerando muito calor para muito pouco aproveitamento de energia.

2009/04/09

Ad Paternitate II — Pater Puellae

Tivemos a certeza hoje de tratar-se de uma menina. Ana será seu nome.

Peço que Deus, por sua misericórdia, a abençoe, e que me ajude a ser uma pessoa muito melhor, para dar a minha filha todo o amor e carinho que merece.

2009/01/19

Ad Paternitate

Poucos dias depois do Natal, soube que minha esposa está grávida.

Estou muito feliz por estar no rumo da paternidade. Um pouco apreensivo, também. Mas confio em Deus, que ordenou que fôssemos frutíferos e prolíficos, que garantiu que são os filhos bênçãos e que não deixa que o justo tenha que mendigar o pão.

Este mundo pensa em filhos como custo. Eles decerto têm custo, mas tudo o que é bom tem seu preço. Prefiro, antes, confiar em Deus, a quem peço que abençoe meus filhos e seus pais, para que toda a família cresça unida na Graça dEle.

2008/09/08

De Verbis Maledictis

O vocabulário e os dicionários às vezes incorporam, pelo uso freqüente e recorrente, palavras que outrora seriam consideradas erros ou estrangeirismos desnecessários. Alguns desses neologismos me soam abomináveis.

agilizar

Esta eu aprendi de meu tio-avô tratar-se de neologismo. Desde então, uso a forma clássica agilitar.


caractere


Notoriamente, vocabulário de Informática. Em Inglês, singular character, plural characters. Em Português, plural caracteres, mas e o singular? O certo é caráter, mas já vi muita gente escrevendo caracter (oxítona, com a letra e pronunciada de forma aberta), e tal ainda é a forma que mais escuto no dia-a-dia. Mas alguém percebeu que havia alguma coisa estranha com forma escrita, que tem aspecto de verbo e, por isso, que pode ser pronuciada com a vogal fechada. Como corrigir? Com ignorância, é claro -- vamos voltar ao plural, que não dá margem a dúvidas, e simplesmente tirar a letra s do final. Simples, ignorante e idiota, mas praticamente feito regra em todas as publicações recentes que tenho lido.


gerenciamento


Esta é possivelmente a pior de todas, por revelar uma seqüência viciosa de derivações. Ato ou efeito de gerenciar? Mas gerenciar me parece ser uma adaptação para verbo do substantivo gerência. Por sua vez, este é uma derivação do verbo gerir, cujo substantivo originalmente associado, em Português, é gestão. Por analogia, sugerir (sub- + gerir) está ligado a sugestão, não a sugerência (embora o esteja em Espanhol).



Essa sucessão de derivações esdrúxulas me parece influência de textos ingleses das áreas de negócios, Economia e administração de empresas. Alguém deve ter achado que se manager se traduz como gerente, por similitude, to manage deveria se traduzir como gerenciar, e, pelo mesmo processo morfológico, management teria que ser gerenciamento.


Eu proponho uma volta às origens. Gestão é o ato ou efeito de gerir, e o encarregado da tarefa de gestão é chamado de gestor. Vejam que beleza: gestão tem seis caracteres e requer não mais do que sete teclas, ao passo que gerência requer oito letras, com nove teclas, e gerenciamento requer treze; do mesmo modo, o placar é de gerir 5 × 9 gerenciar e de gestor 6 × 7 gerente.


Quanto às acepções de gerência como divisão administrativa (de uma empresa, por exemplo, ao invés desginar o ato ou efeito de gerir) e de gerente como o chefe formal dessa divisão (em contraposição ao gestor, que pode ser de fato mas não de direito), não me soam tão mal aos ouvidos.


2008/09/05

"Renuntia et Vade in Argentina"

Impagável a resposta do goleiro Júlio César da seleção brasileira de futebol à crítica do molusco-mor, que disse que os brasileiros, ao contrário dos argentinos, não correm atrás de bolas perdidas.

Faço minhas as palvras de Júlio César para Lula -- não por causa de futebol, mas sem condições e permanentemente: "Então vai morar na Argentina! Vira cidadão argentino, renuncia e vai morar lá. Talvez o Brasil melhore em alguma coisa".

Pobres argentinos!

2008/08/15

De Exercitibus (uel De Decrescentia Mea)

Hoje completa-se o segundo mês de minha rotina diária -- excluídos os finais de semana e duas faltas eventuais -- de exercícios físicos na academia da Petrobras. Em conjunto com a dieta, que foi prescrita algumas semanas depois do início do exercícios e também é parte do programa de promoção de saúde para os empregados, já perdi cinco quilogramas de massa.

Além da perda de massa, observei a melhora do meu desempenho em algumas das atividades físicas. Particularmente, alegro-me com estar conseguindo correr por mais de dez minutos consecutivos. Esforço-me por melhorar minha capacidade, seja caminhando em aclives mais acentuados, seja correndo por mais tempo e com maior velocidade, seja, ainda, aumentando a carga nos aparelhos de musculação. Se, por um lado, meu progresso foi nulo em alguns tipos de exercício (como aquele destinado a desenvolver os músculos da região dos ombros: 7,5kg de carga tem sido um obstáculo intransponível), julgo ter algum sucesso em vista de que o consumo calórico indicado pelos aparelhos aeróbicos tem, em média, crescido.

Faço trinta minutos de esteira de segunda-feira a sexta-feira, alternando entre corridas leves (menos de 10km/h) na horizontal e caminhadas rápidas (entre 6,7km/h e 7,0km/h) com aclives que variam, em inclinação, de 6% a 8%. Nas segundas-feiras, quartas-feiras e sextas-feiras, faço também musculação. As terças-feiras e quintas-feiras são dedicadas a outro aparelho aeróbico, cujo nome genérico ignoro completamente, mas que na academia que freqüento é chamado de "Rotex-XT", cujo aspecto é como uma mistura de caminhada com bicicleta, com pedais que se movem elipticamente, enquanto o aluno movimenta suas pernas como se estivesse caminhando para frente.

Apesar dos progressos -- parte do meu crescimento como pessoa, embora, como corpo, esteja decrescendo a massa --, ainda não experimentei a tal sensação de bem-estar e satisfação com a realização dos exercícios físicos, tão falada por tantos que os praticam e defendem. Semelhantemente, não faço idéia de qual seja a também muito comentada sensação agradável provocada pelas endorfinas secretadas pelo organismo para aliviar o eventual cansaço muscular. A única sensação que me arrebata ao final de cada sessão de exercícios é a de extremo cansaço, freqüentemente acompanhado de dor. Os sinais que o corpo enviam à mente têm sempre um sentido semelhante a um clamor desesperado por que nunca mais se repita tal afronta. Suo como se fosse uma esponja supersaturada que alguém começa a esticar. Às vezes cogito onde por ter ido parar o tal conforto da endorfinas; será que eu não as tenho?

Já foi pior. Nas duas ou três primeiras semanas, meu peito doía quase ininterruptamente, mesmo durante e após os finais de semana. Uma das monitoras (estagiárias, na academia, do curso de Educação Física, mas, em geral, muito mais simpáticas e atenciosas do que os próprios instrutores) me disse que tal dor, pelo local que apontei, seria no coração, e que eu jamais deveria ter chegado a tal ponto, mas que deveria ter feito muito menos esforço, e que eu poderia mesmo ter morrido. Não morri. Mas também não quero estragar qualquer parte do meu corpo.

Antes como agora, a única coisa -- além do objetivo de emagrecer e ganhar o necessário preparo físico para acompanhar a criação e o saudável desenvolvimento dos meus filhos -- que impede minha desistência do aborrecido e invariável cansaço extenuante que segue cada sessão de exercícios (bem como da restrição de comer do que gosto quanto quiser) é a satisfação puramente mental com a superação dos limites da sessão anterior e com os números decrescentes no dinamômetro.

Que o SENHOR me permita ter um corpo saudável, capaz de abrigar uma mente saudável, bem como um espírito feito saudável pelo seu Santo Espírito.

2008/08/08

De Ludis Olympicis

Não tenho simpatia pelos jogos olímpicos. Menos simpatia ainda tenho por estes de Pequim em 2008, cuja abertura se realiza hoje. Confesso que gostaria muito de não tomar ciência do evento, mas é tão grande o clamor em torno dele, que é quase impossível não ser incomodado por tal praga.

Os jogos olímpicos não são para cristãos. No passado, eram jogos dedicados a deuses pagãos (tal foi, inclusive, o motivo de sua suspensão pelos romanos quando a cristianização forçada do império estava em curso). Na era moderna, normalmente não se declara abertamente a natureza pagã do evento, mas não penso que isso diminua seu caráter místico, revelado, voluntariamente ou não, no seu próprio nome (pois o Olimpo seria o lar dos deuses louvados pelos jogos). E não penso que seja mera coincidência que a época do seu ressurgimento coincida com a sistematização e o encruecimento da perseguição ideológica, filosófica, moral e política aos cristãos no Ocidente.

Também não há relação entre os jogos olímpicos e a disseminação da tão-chamada "paz". Em sua própria origem, as provas de atletismo, luta e tiro, que eram praticadas nos jogos olímpicos do passado, não são outra coisa senão atividades físicas relacionadas à guerra. Modernamente, o barão De Coubertin foi inicialmente levado a pensar em atividades físicas e desporto enquanto analisava as razões por que a França havia sido derrotada na Guerra Franco-Prussiana, e como os jovens soldados franceses poderiam se tornar fisicamente superiores aos rivais de outras nações1.

O tão-falado "espírito olímpico" é outra fraude. De Coubertin é tradicionalmente associado ao ressurigimento dos jogos olímpicos e, de fato, pode ser mesmo dele o crédito por fazer de tais cerimônias um evento com participação mundial. No entanto, a forma, e mesmo o nome que faz referência aos antigos jogos em homenagem aos deuses do Olimpo, foi introduzida por outras pessoas, ao longo do século XIX, na Grécia e, sobretudo, na Inglaterra. Foi apenas após comparecer, como convidado, aos jogos olímpicos promovidos na Inglaterra pelo Dr. William Penny Brookes que Coubertin concebeu a forma dos jogos que viria a promover. Entretanto, durante boa parte de sua vida, Coubertin tentou acobertar e negar a influência dos reais pioneiros, especialmente do Dr. Brookes, na reintrodução desses jogos pagãos.

Outro aspecto pernicioso é a incestuosa relação entre as Olimpíadas e a política. Quando se fala sobre isso, qualquer pessoa com trinta anos ou mais remete imediatamente ao período da Guerra-Fria, em que qualquer evento esportivo de alcance internacional, com especial destaque para as Olimpíadas, servia como espaço de propaganda da suposta superioridade ou mesmo supremacia de um ou outro país. Mas isso vem de antes: Hitler fez o que pôde para propalar a superioridade da Alemanha e, em particular, do nacional-socialismo, bem como da suposta raça ariana, de maneira ostensiva nos jogos de Berlim, em 1936. Mesmo antes disso, a propaganda já estava presente nos jogos. Se, de fato, De Coubertin pretendia utilizar o ambiente dos jogos de forma a propagar sua ideologia internacionalista (ou, antes disso, alguma suposta superioridade francesa), é possível que o intuito de propaganda política estivesse mesmo entre as idéias motivadoras da existência e do formato das Olimpíadas.

Mas a questão política ganhou dimensões mais profundas. O Comitê Olímpico Internacional (COI) tem reiteradamente mostrado que não vê problemas em intrometer-se nos assuntos internos de diferentes nações, e tem claras pretensões de ser um tipo especial de mediador em assuntos diplomáticos que não lhe diriam qualquer respeito. Para tanto, suas credenciais são apenas as de "falar em nome do esporte". Não bastassem as intromissões da ONU, agora o COI quer ensinar governos a governarem e diplomatas a fazer diplomacia.

Curiosamente, o COI é omisso em termos de diplomacia quando lhe convém, e isso fica particularmente evidente com os jogos de Pequim. Sendo a China um dos países do mundo com mais restrições à liberdade individual e aos direitos humanos, tendo um sistema político fechado, corrupto, opressivo e aliado de ditadores e terroristas, ameaçando militarmente e freqüentemente países realmente democráticos, como pode essa mesma China sediar um evento que supostamente representa a paz e a harmonia entre os povos e entre todos os homens?

A única resposta que me vem à mente é que a "harmonia" socialista é aquela em que cada indivíduo encarcera seu pensamento no estreito molde que recebe dos déspotas que o governam.

Se o COI quisesse mesmo a diplomacia da tão-falada "paz", deveria começar por jamais aceitar jogos na China. Mais do que o COI, porém, nenhum país deveria aceitar participar da farsa.



1 De acordo com biografias que encontrei, De Coubertin transmutou seu pensamento sobre o esporte como forma de fortalecer a França para uma maneira de "unir os jovens de diferentes nações". Eu desconfio, pela consonância com idéias socialistas, que tal mudança tenha a influência de Marx, mas as motivações e influências do barão estão ausentes das biografias laudatórias que encontrei na Internet.