2008/08/08

De Ludis Olympicis

Não tenho simpatia pelos jogos olímpicos. Menos simpatia ainda tenho por estes de Pequim em 2008, cuja abertura se realiza hoje. Confesso que gostaria muito de não tomar ciência do evento, mas é tão grande o clamor em torno dele, que é quase impossível não ser incomodado por tal praga.

Os jogos olímpicos não são para cristãos. No passado, eram jogos dedicados a deuses pagãos (tal foi, inclusive, o motivo de sua suspensão pelos romanos quando a cristianização forçada do império estava em curso). Na era moderna, normalmente não se declara abertamente a natureza pagã do evento, mas não penso que isso diminua seu caráter místico, revelado, voluntariamente ou não, no seu próprio nome (pois o Olimpo seria o lar dos deuses louvados pelos jogos). E não penso que seja mera coincidência que a época do seu ressurgimento coincida com a sistematização e o encruecimento da perseguição ideológica, filosófica, moral e política aos cristãos no Ocidente.

Também não há relação entre os jogos olímpicos e a disseminação da tão-chamada "paz". Em sua própria origem, as provas de atletismo, luta e tiro, que eram praticadas nos jogos olímpicos do passado, não são outra coisa senão atividades físicas relacionadas à guerra. Modernamente, o barão De Coubertin foi inicialmente levado a pensar em atividades físicas e desporto enquanto analisava as razões por que a França havia sido derrotada na Guerra Franco-Prussiana, e como os jovens soldados franceses poderiam se tornar fisicamente superiores aos rivais de outras nações1.

O tão-falado "espírito olímpico" é outra fraude. De Coubertin é tradicionalmente associado ao ressurigimento dos jogos olímpicos e, de fato, pode ser mesmo dele o crédito por fazer de tais cerimônias um evento com participação mundial. No entanto, a forma, e mesmo o nome que faz referência aos antigos jogos em homenagem aos deuses do Olimpo, foi introduzida por outras pessoas, ao longo do século XIX, na Grécia e, sobretudo, na Inglaterra. Foi apenas após comparecer, como convidado, aos jogos olímpicos promovidos na Inglaterra pelo Dr. William Penny Brookes que Coubertin concebeu a forma dos jogos que viria a promover. Entretanto, durante boa parte de sua vida, Coubertin tentou acobertar e negar a influência dos reais pioneiros, especialmente do Dr. Brookes, na reintrodução desses jogos pagãos.

Outro aspecto pernicioso é a incestuosa relação entre as Olimpíadas e a política. Quando se fala sobre isso, qualquer pessoa com trinta anos ou mais remete imediatamente ao período da Guerra-Fria, em que qualquer evento esportivo de alcance internacional, com especial destaque para as Olimpíadas, servia como espaço de propaganda da suposta superioridade ou mesmo supremacia de um ou outro país. Mas isso vem de antes: Hitler fez o que pôde para propalar a superioridade da Alemanha e, em particular, do nacional-socialismo, bem como da suposta raça ariana, de maneira ostensiva nos jogos de Berlim, em 1936. Mesmo antes disso, a propaganda já estava presente nos jogos. Se, de fato, De Coubertin pretendia utilizar o ambiente dos jogos de forma a propagar sua ideologia internacionalista (ou, antes disso, alguma suposta superioridade francesa), é possível que o intuito de propaganda política estivesse mesmo entre as idéias motivadoras da existência e do formato das Olimpíadas.

Mas a questão política ganhou dimensões mais profundas. O Comitê Olímpico Internacional (COI) tem reiteradamente mostrado que não vê problemas em intrometer-se nos assuntos internos de diferentes nações, e tem claras pretensões de ser um tipo especial de mediador em assuntos diplomáticos que não lhe diriam qualquer respeito. Para tanto, suas credenciais são apenas as de "falar em nome do esporte". Não bastassem as intromissões da ONU, agora o COI quer ensinar governos a governarem e diplomatas a fazer diplomacia.

Curiosamente, o COI é omisso em termos de diplomacia quando lhe convém, e isso fica particularmente evidente com os jogos de Pequim. Sendo a China um dos países do mundo com mais restrições à liberdade individual e aos direitos humanos, tendo um sistema político fechado, corrupto, opressivo e aliado de ditadores e terroristas, ameaçando militarmente e freqüentemente países realmente democráticos, como pode essa mesma China sediar um evento que supostamente representa a paz e a harmonia entre os povos e entre todos os homens?

A única resposta que me vem à mente é que a "harmonia" socialista é aquela em que cada indivíduo encarcera seu pensamento no estreito molde que recebe dos déspotas que o governam.

Se o COI quisesse mesmo a diplomacia da tão-falada "paz", deveria começar por jamais aceitar jogos na China. Mais do que o COI, porém, nenhum país deveria aceitar participar da farsa.



1 De acordo com biografias que encontrei, De Coubertin transmutou seu pensamento sobre o esporte como forma de fortalecer a França para uma maneira de "unir os jovens de diferentes nações". Eu desconfio, pela consonância com idéias socialistas, que tal mudança tenha a influência de Marx, mas as motivações e influências do barão estão ausentes das biografias laudatórias que encontrei na Internet.

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