2008/09/08

De Verbis Maledictis

O vocabulário e os dicionários às vezes incorporam, pelo uso freqüente e recorrente, palavras que outrora seriam consideradas erros ou estrangeirismos desnecessários. Alguns desses neologismos me soam abomináveis.

agilizar

Esta eu aprendi de meu tio-avô tratar-se de neologismo. Desde então, uso a forma clássica agilitar.


caractere


Notoriamente, vocabulário de Informática. Em Inglês, singular character, plural characters. Em Português, plural caracteres, mas e o singular? O certo é caráter, mas já vi muita gente escrevendo caracter (oxítona, com a letra e pronunciada de forma aberta), e tal ainda é a forma que mais escuto no dia-a-dia. Mas alguém percebeu que havia alguma coisa estranha com forma escrita, que tem aspecto de verbo e, por isso, que pode ser pronuciada com a vogal fechada. Como corrigir? Com ignorância, é claro -- vamos voltar ao plural, que não dá margem a dúvidas, e simplesmente tirar a letra s do final. Simples, ignorante e idiota, mas praticamente feito regra em todas as publicações recentes que tenho lido.


gerenciamento


Esta é possivelmente a pior de todas, por revelar uma seqüência viciosa de derivações. Ato ou efeito de gerenciar? Mas gerenciar me parece ser uma adaptação para verbo do substantivo gerência. Por sua vez, este é uma derivação do verbo gerir, cujo substantivo originalmente associado, em Português, é gestão. Por analogia, sugerir (sub- + gerir) está ligado a sugestão, não a sugerência (embora o esteja em Espanhol).



Essa sucessão de derivações esdrúxulas me parece influência de textos ingleses das áreas de negócios, Economia e administração de empresas. Alguém deve ter achado que se manager se traduz como gerente, por similitude, to manage deveria se traduzir como gerenciar, e, pelo mesmo processo morfológico, management teria que ser gerenciamento.


Eu proponho uma volta às origens. Gestão é o ato ou efeito de gerir, e o encarregado da tarefa de gestão é chamado de gestor. Vejam que beleza: gestão tem seis caracteres e requer não mais do que sete teclas, ao passo que gerência requer oito letras, com nove teclas, e gerenciamento requer treze; do mesmo modo, o placar é de gerir 5 × 9 gerenciar e de gestor 6 × 7 gerente.


Quanto às acepções de gerência como divisão administrativa (de uma empresa, por exemplo, ao invés desginar o ato ou efeito de gerir) e de gerente como o chefe formal dessa divisão (em contraposição ao gestor, que pode ser de fato mas não de direito), não me soam tão mal aos ouvidos.


2 comentários:

Marcus disse...

Agilitar???????????

"Izar" é um sufixo conhecido na nossa língua... Por isso prefiro "agilizar".

"Caráter" pra mim é algo relativo à personalidade de uma pessoa. Talvez por um caminho tortuoso da história tenham surgido dois significados completamente diferentes a partir da mesma fonte. Prefiro que coisas diferentes sejam diferentes. Fico com o meu caracter e o meu caráter separados :-)

Lembro de uma apresentação de um professor de português que contou que antigamente se dizia "condugo", do verbo "conduzir" (semelhante a "digo", "dizer"). Daí as novas gerações __corrigiram__ (palavra do professor) seus pais e criaram o "conduzo", que vive até hoje.

Resumindo: acho melhor escolher o que me parece mais lógico, não escolher por algo ser tradição (nem por ser novidade).

Paulo Pires disse...

"Itar" também é um sufixo conhecido, presente em palavras de uso corrente como "habilitar" e "debilitar". E note a semelhança também de forma entre "ágil" (agilis), "hábil" (habilis) e "débil" (debilis). Há também "facilitar" (facilis), "dificultar" (com uma corruptela de difficilis, mas não é difícil ver a mesma raiz na composição).

Caráter signifca "marca", "traços gravados", em madeira, em moedas, em monumentos. Seu uso para os traços morais de uma pessoa é que veio por extensão do sentido original.

"Caráter" é a grafia moderna da mesma palavra que um dia já se escreveu em Português como "carácter", originária do latim character, que por sua vez é uma transliteração do grego χαρακτήρ. Acho muito estranho ter duas formas de escrever a mesma palavra, em função do seu uso -- especialmente quando esse uso diferente é fruto de falta de informação.

Quanto ao verbo conduzir, creio que o original seria "conduco" (talvez somente "duco"), e não "condugo". No entanto, como o C e G no latim foram representados pela mesma letra (C) durante muito tempo, não sei dizer exatamente qual a pronúncia original.

O caso do Z é mesmo muito estranho. Não existindo no Latim, foi inicialmente incorporado ao abecedário por causa de algumas palavras gregas, com som, originalmente, semelhante a "tz" (como o "zz" de "pizza"). Com a palatalização e assibilação do C e do T no romance e nas línguas neolatinas, inicialmente acomodou o "tz", mas acabou ficando com uso e som irregular nas línguas diferentes: no Italiano, soa "tz"; no Espanhol, soa como S; no Francês, soa como soa no Português. E também diverge em como e onde é usado: no Espanhol e no Italiano, seu uso se dá em muitos lugares em que o Português usa o Ç ou C (especialmente quando, no mesmo lugar, o Latim costumava empregar o T -- cf. platea, que deu origem à italiana piazza (piátza), à espanhola plaza (plássa), à francesa place (plasse) e à praça portuguesa).

Não creio que meus argumentos sejam essencialmente ilógicos ou puramente tradicionalistas. Tenho, sim, apreço pelas raízes latinas das palavras, mas onde a língua Portuguesa já fixou norma distinta da grafia original (como no caso de "caráter"), advogo pela norma culta.